Moradores em Situação de Rua
Em 2025, no começo da 20ª Legislatura, a Câmara de Vereadores passou a discutir com mais intensidade a questão dos moradores de rua, criando uma Comissão especial para analisar o tema.
Reclamações em 2024
Ainda durante a vigência da 19ª Legislatura, a CVJ recebeu indícios de que deveria lidar com o tema dos moradores de rua. Durante uma reunião da Comissão de Urbanismo, realizada em maio de 2024, o presidente do Sindsupermercados, Romeu Zamboni, reclamou que pessoas em situação de rua ficam em frente a estabelecimentos comerciais de Joinville e inibem o acesso de consumidores. O Sindsupermercados é o sindicato de supermercados. O vereador Wilian Tonezi, que presidia a comissão na ocasião, sugeriu que o município fizesse uma abordagem em todas as pessoas que ingressam em Joinville via rodoviária da cidade.[1]
Em dezembro, a Comissão de Saúde promoveu uma reunião no plenário da casa, já que o interesse no assunto foi amplo e mais de 200 se fizeram presentes. Como a 19ª Legislatura estava no seu perto do fim, os vereadores eleitos para próxima legislatura foram convidados a acompanhar as discussões. Nessa reunião o vereador Wilian Tonezi cogitou iniciar a coleta de assinaturas no início da próxima legislatura, visando abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a situação. Já o vereador Brandel Junior, presidente da comissão, solicitou a aplicação de uma lei de sua autoria que prevê a interdição de imóveis abandonados pelo município, com o intuito de impedir o acesso de pessoas em situação de rua.
Os cidadãos que fizeram uso do microfone se dividiram entre os que entendiam haver excesso de assistencialismo, o que catalisaria mais moradores de rua, e os que defendiam ser humanitário e necessário continuar ajudando os que se encontravam nessa situação. Foram muitas manifestações. Moradores relataram situações de insegurança pública em locais onde os moradores de rua se concentravam.[2]
Política Municipal para a População em Situação de Rua
Em outubro de 2024, ingressou na CVJ o Projeto de Lei Ordinária Nº 217/2024, originária do executivo, que busca instituir a Política Municipal para a População em Situação de Rua no Município de Joinville. A ideia é definir como devem ser os procedimentos para internação de pessoas em situação de rua que apresentem dependência química ou transtornos mentais. O projeto continha duas as modalidades de internação: a voluntária e a involuntária.[3]
Comissão Especial
Encabeçado pelo vereador Brandel Junior e co-assinado pelos demais vereadores, em fevereiro de 2025 foi aprovado pelo plenário o Projeto de Resolução Nº 2/2025, que criava a Comissão Especial Sobre Moradores em Situação de Rua. De acordo com Diego Machado, presidente da casa, afirmou que:[4]
A Comissão terá a prerrogativa de ouvir a população, representantes do poder executivo, entidades do terceiro setor, especialistas na área, a empresa responsável pelo programa de abordagem e ao serviço prestado pelo restaurante popular na cidade de Joinville.
Na segunda-feira, 17 de fevereiro, os cinco membros definiram o presidente, relator e secretário da comissão especial, dessa forma:
- Ascendino Batista - presidente;
- Mateus Batista - relator;
- Adilson Girardi - secretário;
- Neto Petters - membro;
- Instrutor Lucas - membro.[5]
Na noite de 24 de fevereiro, a Comissão Especial, acompanhada da guarda municipal, realizou uma fiscalização das abordagens feitas pelo Instituto Amor Incondicional (AMINC) a pessoas em situação de rua. Tal instituto trabalha em parceria com a Secretaria de Assistência Social (SAS) além das abordagens, a AMINC administra aos dois restaurantes populares de Joinville. Foram servidas 125,3 mil refeições para pessoas em efetiva situação de rua, sem contar as refeições do público geral. Segundo o AMINC, a cidade tinha na ocasião cerca de 500 pessoas em situação de rua. Rodrigo Pinheiro, presidente do instituto, explicou aos vereadores que Joinville é uma cidade de passagem para estas pessoas. Ele disse que em média eram 180 novas pessoas que chegavam a cada mês, mas a maioria delas não ficavam na cidade.[6]
No dia 27 de fevereiro, a Comissão fez diligências no Centro Pop, onde os vereadores puderam confirmar que municípios vizinhos estariam custeando passagens para que pessoas em situação de rua fossem encaminhadas a Joinville. Pensando nisso, Ascendino Batista sugeriu que se deveria abrir um Boletim de Ocorrência a cada incidente como este, para facilitar a formalização de um protocolo. Depois foi a vez do Restaurante Popular da rua Urussanga ser vistoriado. Ali, os vereadores souberam que pessoas em situação de rua podem se alimentar gratuitamente por até sete dias, mesmo sem cadastro no Centro Pop. No entanto, os parlamentares consideram esse prazo excessivo, entendendo que um único dia já bastaria para que um cadastro fosse efetuado.[7]
No dia 12 de março, a Alesc realizou em Florianópolis uma Audiência Pública justamente para tratar do tema das pessoas em situação de rua. Onze vereadores da CVJ comparecem, incluindo o presidente da casa, Diego Machado, e o presidente da Comissão Especial, Ascendino Batista. Reunião discutiu a necessidade de alterações na legislação federal e investimentos em políticas públicas eficazes para pessoas em situação de rua. Durante a reunião, foram feitas críticas às restrições existentes para a internação compulsória de dependentes químicos e à criminalização da população de rua. Além disso, houve pedidos para o fortalecimento das estruturas de assistência social e das comunidades terapêuticas, visando oferecer melhores condições de apoio e tratamento para essas pessoas.[8]
Audiências Públicas
Audiência do dia 13 de Março
A Comissão Especial então resolveu ouvir os profissionais e entidades de assistência, ligadas à causa das pessoas que moravam nas ruas, bem como órgãos de segurança pública. Estiveram entre os que se manifestaram:
- Zelize Fernanda Schenekemberg, técnica de enfermagem. Concorreu ao cargo de vereador em 2024. Além de apontar uma assistência deficiente e usar exemplo positivos de São Paulo, Zelize disse que ninguém estaria nas ruas, correndo sérios riscos de segurança pessoal, por prato de comida.
- Gisele de Souza, assiste social e professora. Gisele afirmou que a Assistência Social de Joinville faz esforços além do comum para buscar ajudar. Ela considera que a equipe é comprometida e convidou Zelize e qualquer pessoa que queira, a conhecer por dentro o trabalho da Assistência Social, antes de falar.
- Paulo Rigo, secretário municipal de Segurança Pública e Proteção Civil, Gabriel Colin, comandante da Guarda Municipal, e Egon Ferreira Platt Hemann, comandante do 8º Batalhão da PM/SC. Ambos mencionaram as atividades realizadas por suas corporações na busca pela redução da criminalidade entre as pessoas em situação de rua. Também disseram que um trabalho com maior integração entre todas as partes tende a gerar melhores resultados na redução do número de pessoas nesta condição.[9]
Audiência do dia 27 de Março
Dia 28 de março, uma audiência pública voltou a ouvir entidades, mas deu voz também à população em geral. Entre os que usaram o microfone para se manifestar estiveram:
- Ana Bittencourt: Mencionou que as mulheres se sentem inseguras pelas abordagens das pessoas em situação de rua. Ela disse que muitas escolhem Joinville para morar porque se sentiam seguras aqui, mas essa sensação diminuiu bastante. Ana também lembrou que mulheres são uma parte vulnerável da sociedade.
- Ematuir Teles de Souza, representando o Conselho Regional de Psicologia: Questionou a ausência de representantes da própria população em situação de rua. Ematuir ainda observou que a questão envolve “problemáticas de ordem social, tal como a desigualdade social, o neoliberalismo, a pobreza, a miséria, as opressões higienistas e racistas, entre outras tantas formas de violências”.
- Respondeu a isso o presidente da comissão, dizendo que a convocação para a audiência foi pública, ou seja, querendo, os representantes dos moradores de rua poderiam estar presentes.
- Carlos Alberto Piaz, pastor-presidente da Igreja Evangélica Exército de Cristo e candidato a vereador em 2024: Perguntou sobre sua proposta da criação do Programa Integrado de Atendimento Social, encaminhada ao executivo. Sua ideia era introduzir a laborterapia, ou seja, os internados produziriam seus próprios alimentos. Ele reclamou que não recebeu resposta do executivo.
- Max do Povo, que também foi candidato a vereador em 2024: Disse que tudo o que estava sendo discutido "acabaria em pizza".
- Maria Rosenilda de Souza Oliveira, da comunidade Eis-me Aqui: Disse que há empregos em Joinville, sim, mas que as empresas não costumam empregar pessoas sujas e sem endereço.
- Robson Richard Duvoisin, gerente de cidadania e direitos humanos da Secretaria de Assistência Social, falou como cidadão e morador do bairro Iririú. Ele afirmou que os moradores de rua não vem para cá para encontrar trabalho. Não é uma questão de emprego. É uma questão de uso de álcool e conflito familiar.
- Beatriz Goulart, estudante de psicologia: Criticou a busca de uma internação involuntária e afirmou: “Não deixaremos Joinville se tornar o berço de um novo hospital-colônia.”
- Reginildo Silva: Foi internado compulsoriamente no Hospital Regional Hans Dieter Schmidt. Disse que foi para o regional para tomar um medicamento, deixaram ele internado por 10 dias, e quando voltou para casa tinha contas à pagar sem ter trabalhado.
- Guilherme Cauduro, Representante da Câmara de Dirigentes Lojistas na reunião: Afirmou que a associação de classe recebe relatos que chegam diariamente, de comerciantes que não conseguem abrir o seu negócio, têm dificuldade de pagar o salário dos seus funcionários, porque tem um morador de rua, todo defecado diante do comércio.”[10]
Chapecó e Piraquara
Antes de confeccionar o relatório final, os vereadores da Comissão Especial fizeram visitas técnicas aos municípios de Chapecó–SC e Piraquara–PR para conhecer programas de acolhimento adotados por essas cidades.
Primeiro, os vereadores Pastor Ascendino Batista, Mateus Batista e Instrutor Lucas estiveram em Chapecó para se inteirar do Programa Mão Amiga, uma iniciativa daquela prefeitura que oferece internação, tratamento, reinserção familiar e retorno ao mercado de trabalho para pessoas em situação de rua com dependência química. Desde 2022, foram registradas 566 internações, sendo 290 involuntárias e 276 em comunidades terapêuticas. Segundo a prefeitura de Chapecó, houve uma redução de 95% na população de rua desde 2021. O modelo de reinserção social chamou especial atenção.
Depois, a comitiva visitou a Clínica Cadmo, em Piraquara, especializada em internação involuntária para tratamento de saúde mental e dependência química. A clínica é conveniada com a Prefeitura de Joinville e atualmente atende 11 pacientes do município, sendo quatro em situação de rua. Com capacidade para 100 internações, a clínica oferece rotina de desintoxicação, estabilização e diversas terapias, como psicologia, terapia ocupacional e musicoterapia.[11]
Relatório Final
No dia 20 de maio de 2025, a Comissão Especial apresentou seu relatório. O documento apresentou mais de 200 páginas.
Resumo Técnico
O site da Câmara de Vereadores de Joinville apresentou um resumo técnico. Entre outros pontos desse resumo, o Memória CVJ destaca:
- Trabalhos Realizados: Durante seus trabalhos, a comissão realizou estudos documentais, análise de dados estatísticos, visitas técnicas e audiências públicas com diferentes atores sociais envolvidos no tema. A investigação buscou compreender as causas do aumento da população em situação de rua, avaliar a estrutura municipal existente e identificar experiências de sucesso que pudessem ser replicadas localmente, como o programa Mão Amiga, do município de Chapecó.
- Situação de Rua em Joinville: Em Joinville, observou-se um aumento significativo da população em situação de rua, refletindo uma tendência estadual e nacional preocupante. Entre 2016 e 2023, Santa Catarina viu crescer sua população em situação de rua de 1.174 para 8.824 pessoas. Joinville está atualmente com 963 registradas no CadÚnico. Joinville possui uma estrutura robusta e praticamente completa em termos de serviços previstos pelas políticas nacionais, incluindo Centro POP, abrigos, Restaurante Popular, Serviço de Abordagem Social e Consultório na Rua.
- Estudo de Caso: Programa Mão Amiga em Chapecó: Durante recente visita técnica ao município de Chapecó, a comissão analisou o programa Mão Amiga, implementado em 2022 com resultados expressivos. O programa oferece internações voluntárias e involuntárias para dependentes químicos, acolhimento em comunidades terapêuticas, reinserção profissional por meio de frentes de trabalho remuneradas e cursos de capacitação. De 2021 a 2025, Chapecó reduziu em 88% sua população em situação de rua, saindo de 416 para apenas 48 pessoas.
- Conclusões: A experiência analisada em Chapecó, através do “Programa Mão Amiga”, trouxe um contraponto significativo. Entre 2021 e 2025, esse município catarinense conseguiu reduzir em 88% sua população em situação de rua por meio de um modelo de atuação integrado, focado em internações assistidas para dependentes químicos, tratamentos em comunidades terapêuticas, e reinserção profissional ativa por meio de frentes de trabalho remuneradas e cursos profissionalizantes. Os resultados desse programa demonstraram uma redução real e sustentável, fornecendo um exemplo claro de que políticas públicas articuladas e direcionadas são capazes de enfrentar eficazmente esse fenômeno social.
- Diante dessas evidências concretas, a Comissão Especial recomenda enfaticamente que Joinville avance além da mera conformidade com a legislação federal vigente. Propõe-se que a Prefeitura articule um programa-piloto de fluxo integrado inspirado em Chapecó, envolvendo:
- Internações assistidas, com critérios claros para internações voluntária e involuntária;
- Transição para cuidados continuados em redes de comunidade terapêutica conveniadas.
- Reinserção socioeconômica, com frentes de trabalho remuneradas, cursos de qualificação e incentivos à contratação em licitações públicas, bem como parcerias com o setor privado.
- Diante dessas evidências concretas, a Comissão Especial recomenda enfaticamente que Joinville avance além da mera conformidade com a legislação federal vigente. Propõe-se que a Prefeitura articule um programa-piloto de fluxo integrado inspirado em Chapecó, envolvendo:
- Necessária uma articulação nacional entre municípios, estados e o governo federal. Essa frente deveria destinar recursos para:
- Avaliação contínua dos impactos agregados de programas como o “Housing First”, moradia popular e reinserção laboral.
- Financiamento de pesquisas multicêntricas para identificar e replicar modelos exitosos em diferentes contextos regionais.
- Criação de consórcios intermunicipais para compartilhamento eficiente de infraestruturas essenciais, tais como abrigos, leitos de CAPS AD e unidades especializadas de acolhimento e tratamento.
- Necessária uma articulação nacional entre municípios, estados e o governo federal. Essa frente deveria destinar recursos para:
- O relatório recomenda, acima de tudo, uma mudança na abordagem tradicional, enfatizando ações integradas e concretas. A experiência acumulada ao longo deste trabalho reforça a convicção de que a situação de rua não é um destino inevitável, mas uma circunstância reversível por meio de políticas públicas eficazes, coerentes e intersetoriais, capazes de garantir resultados duradouros e, finalmente, resgatar a dignidade perdida por aqueles que hoje vivem em extrema vulnerabilidade social.[12]
Obtenha o relatório final baixando o arquivo neste link: Arquivo:Relatorio-final-comissao-especial-moradores-rua.pdf
Como Citar |
Referência
PINHEIRO, Patrik Roger. Moradores em Situação de Rua. Memória CVJ, 2025. Disponível em: <https://memoria.camara.joinville.br/index.php?title=Moradores_em_Situa%C3%A7%C3%A3o_de_Rua>. Acesso em: 19 de julho de 2025. |
Citação com autor incluído no texto
Pinheiro (2025) |
Citação com autor não incluído no texto
(PINHEIRO, 2025) |
Referências
- ↑ Pessoas em situação de rua inibem clientes, diz sindicato de supermercados. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 28/05/2025.
- ↑ Comissão lota plenário para debater saídas para pessoas em situação de rua. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 29/05/2025.
- ↑ Política para a população de rua ganha relator na CCJ. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 28/05/2025.
- ↑ Vereadores Criam Comissão Especial Sobre População de Rua. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 30/05/2025.
- ↑ Pastor Ascendino Batista (PSD) presidirá comissão sobre pessoas em situação de rua. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 30/05/2025.
- ↑ Mais de 60% dos usuários do Restaurante Popular estão em risco alimentar grave, afirma coordenador. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 30/05/2025.
- ↑ Confira como foi a semana da Comissão Especial das Pessoas em Situação de Rua. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 30/05/2025.
- ↑ Vereadores de Joinville participam de audiência na Alesc sobre pessoas em situação de rua. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 02/06/2025.
- ↑ Comissão Especial ouve profissionais de assistência social e segurança diretamente envolvidos com pessoas em situação de rua Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 02/06/2025.
- ↑ Audiência pública da Comissão Especial da População de Rua reúne diferentes posições sobre o tema. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 02/06/2025.
- ↑ Comissão especial visita Chapecó e Piraquara para conhecer iniciativas voltadas à população em situação de rua. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 03/06/2025.
- ↑ Comissão Especial propõe modelo inspirado em Chapecó para reduzir população em situação de rua. Câmara de Vereadores de Joinville. Arquivado do original. Visitado em 13/06/2025.