Greve de 1992

De Memória CVJ
Revisão de 12h42min de 26 de março de 2025 por Patrik roger (discussão | contribs)
Ir para navegação Ir para pesquisar

Em 1992, durante a 11ª Legislatura, foi deflagrada uma greve de 40 dias pelos servidores públicos municipais em Joinville. Era um contexto de inflação galopante e perdas do poder aquisitivo mesmo diante de aumentos salariais regulares para reajustar as perdas inflacionárias. Os servidores, que demonstravam descontentamento já por meses, aderiram à greve organizada pelo sindicato da categoria. As manifestações pela cidade foram intensas, com piquetes na frente de escolas e outras repartições públicas, passeatas pela cidade e acampamento na frente da Câmara de Vereadores. Tal agreve iniciou dentro de período eleitoral, e a prefeitura alegava que nem o caixa, nem a legislação permitiam dar o índice requerido pelos servidores. Um acordo foi alcançado depois de 40 dias de antagonismos.

Antecedentes

Junho

Manifestação dos servidores. (Foto: Roberto Adam/A Notícia 26/06/1992)

Em junho de 1992, o prefeito Lula encaminhou mensagem à Câmara solicitando um reajuste de 25%. Os servidores, porém, realizaram uma assembleia, e nela rejeitaram essa proposta querendo 73%. Percorrendo ruas centrais e realizando manifestações, principalmente em frente à prefeitura, os servidores carregavam faixas, sopravam apitos e mantinham um forte sistema de som ligado.

Prefeito e sindicato se reuniram na Câmara, sem fechar acordo. O prefeito alegava ser impossível dar mais que 25%, e os servidores achavam que deveria ter sido apresentada alguma contraproposta aos 73% por eles solicitados.[1] Não foi um fim de encontro tranquilo. Na saída da Câmara, o prefeito foi ofendido verbalmente por alguns grevistas, revidou e a confusão se armou. A prefeitura depois afirmou que pessoas ligadas a Central Única dos Trabalhadores (CUT) agitaram os ânimos e o sindicato (Sinsej) jogou a culpa em ex-servidores.[2] Segundo o jornalista Toninho Neves, A CUT colocou seu carro de som de modo a trancar a saída da Câmara. Armada a emboscada, Neves segue dizendo que:[3]

Luiz Gomes encarou os agressores que covardemente armaram uma emboscada no corredor de saída da Câmara.

O tempo para resolver o dilema se esgotava, pois com o início do período eleitoral, dali a dos dias, impediria aumentos maiores que as reposições inflacionárias. Uma proposta de 30% de aumento partiu do executivo, mas em face dos 73% desejados pelos servidores, novamente não houve acordo e os servidores paralisaram por 24 horas.[4]

Julho

Nova manifestação dos servidores no centro da cidade. (Foto: Volnei Amaral/A Notícia 18/07/1992)

Nova queda de braço ocorreu em julho. OS servidores queriam 12% de reajuste e o Sinsej buscou uma tática já emprega pela 11ª legislatura: condicionar a aprovação do pedido de suplementação orçamentária ao aumento solicitado pelos servidores.[5] A prefeitura pedia ao legislativo a liberação de 26 bilhões de cruzeiros. A Sessão Ordinária que votaria esse pedido não durou nem um minuto. Presidida pela vereadora Teresa Campregher Moreira, a sessão não tinha quórum.[6] Por fim, a Câmara aprovou um aumento de 30% mais os 12,8% solicitados anteriormente pelos servidores. Enquanto tal lei ia para sanção ou veto do prefeito, ainda havia a questão da suplementação orçamentária.

Nova sessão ocorreu em 21 de julho, dessa vez com quórum, mas sem consenso para votar a suplementação, deixando a prefeitura de pires na mão.[7] Para piorar, alegando inconstituvcionalidade, o prefeito vetou os 12.8%, ficando só com os 30% consensuais entre Câmara e executivo. Segundo a prefeitura, caso incluísse os 12,8%, o executivo chegaria com 91,6% da arrecadação de outubro comprometida só com salários, e isso iria para 102,3% em novembro e 110.4% em dezembro.[8] No dia 28 de julho, a Câmara aprovou finalmente a suplementação, para desgosto do Sinsej, que disse que os vereadores não honraram o compromisso assumido com a categoria.[9]

Magnifying glass 01.svg.png Ver Também: Prefeito ''versus'' Câmara: Aumento salarial para os servidores

Agosto

Em agosto, o veto do prefeito foi analisado pela Câmara, que decidiu rejeitá-lo por dezesseis votos contra um. Agora, o aumento poderia ser promulgado pelo legislativo, mas aparentemente não foi.[nota 1][10] A greve estava vindo!

A Greve

Lula explica na Câmara porque não pode dar o aumento desejado pelos servidores. (Foto: Ebnder Gonçalves/A Notícia 06/10/1992)
Servidores acamparam na Câmara, que na época ficava no mesmo prédio que o Besc, na rua 9 de Março. (Foto: Davi Zocoli/A Notícia 18/09/1992)

Em 11 de setembro muitos servidores cruzaram os braços. Estava deflagrada a greve. Paralisação talvez não defina muito bem o que muitos deles realmente fizeram, já que houve fortes manifestações e piquetes em frente a instituições públicas. Em 17 de agosto, a prefeitura comunicou o Sinsej que a justiça determinou a suspensão dos piquetes. Ele também informou que nem o caixa, nem a lei já permitiam o aumento de 125% desejado pelos servidores. Em período eleitoral somente a reposição inflacionária poderia ocorrer.[11]

No dia 24 de setembro, a vereadora Teresa acabou vivendo em encontro de família um tanto inusitado: Os servidores mantinham piquete na frente da prefeitura, e junto deles, estava o marido de Teresa, Altino, que era servidor público. Ela também estava lá, qual representante do poder legislativo, sendo vice-presidente da mesa diretora da Câmara. Mas havia decisão da justiça que proibia o uso de piquetes. Para cumprir a determinação judicial, apareceu ali o filho de Teresa, o tenente Adilson Moreira, comandando o pelotão de choque da PM que removeria os piquetes. Só escapou do encontro familiar a filha Liamaraes, que qual professora, decidiu continuar dando aula naquele dia.[12]

Os servidores não queriam menos, e o prefeito dizia que não podia pagar mais. Com o impasse, a greve continuava. Em 30 de setembro, durante a sessão ordinária na Câmara, alguns servidores decidiram: acampariam na CVJ. Os funcionários da casa legislativa passaram a assistir à entrada de colchões, malas e afins, enquanto o diretor-geral, Cláudio Pereira Ramos, tentava retirar aqueles objetos dali. Quase foi agredido. A sessão não teve quórum.

Durival, presidente da casa, não se incomodou com os que se acomodavam para pernoitar ali. Disse ele:

Eu compreendo a situação dos funcionários em greve. Eles não estão fazendo nada. Eles estão pedindo uma coisa que é justa.

O presidente do Sinsej afirmou que os servidores ficariam acampados na Câmara, fazendo vigília, até que o prefeito tomasse uma posição.[13] De fato, cinco dias depois ainda haviam dezenove servidores "dormindo, cozinhando e lavando roupa na Câmara", como disse Abélio Tavares, um dos servidores ali acampados.[14]

Em 7 de outubro, os servidores receberam o salário de setembro sem nenhum reajuste. Segundo a prefeitura, isso ocorreu porque o reajuste depende de aprovação da Câmara, mas os vereadores não conseguiram realizar a sessão ordinária por causa dos servidores acampados na frente no local. O presidente do sindicato disse que a classe quer os 125%, não as migalhas dos 23%.[15] Aos gritos de "prefeito, a culpa é sua, a greve continua," os servidores rejeitaram nova proposta de 40% em setembro e uma cesta básica de cem mil cruzeiros, o índice de inflação de outubro, nenhum reajuste em novembro e 33,41% em dezembro. Nada feito, a greve iria para seu 34º dia.[16]

Manifesto da Câmara sobre a greve./A Notícia 15/10/1992)
A Prefeitura esclarece seus motivos./A Notícia 15/10/1992)

Não tendo muito a ver com isso tudo, na condição de presidente do legislativo municipal Durival imprimiu em jornal um manifesto lançando a culpa em cima de Luiz Gomes e da prefeitura. [17] No mesmo dia, a prefeitura buscou esclarecer sua situação:

  • Para evitar a paralisação dos serviços públicos, contratou temporários.
  • Em 1992, a Prefeitura estava repassando até agosto o INPC e um pouco mais, ou seja, vem reajustando os salários até um pouco acima da inflação.
  • A lei já não permitia aumento real em período eleitoral. Foi impresso o artigo 29 da lei 8.214, de 24 de julho de 1991, para provar isso. Aqueles eram dias de campanha para eleições municipais.

No mesmo dia em que os manifestos saíam nos jornais, Lula novamente foi negociar com os servidores. Ele afirmou que entendia como justa a causa dos grevistas e afirmou que a economia estava corroendo o poder de compra. Lula ofereceu 129,74% de reajuste. Os servidores queria o índice inflacionário mais 125% de ganho real, para reparar perdas de 1990 e 1991.[18]

A greve durou 40 dias. Por fim, os representantes dos servidores entenderam que, se não conseguiram tanto quanto gostariam, conquistaram mais do que viria sem a luta. Tudo começou a voltar ao normal na cidade no campo dos serviços públicos, mas pelo menos um possível estrago foi irreversível: o candidato à prefeitura do PDS, Eni Voltolini, pode ter pagado a fatura da impopularidade gerada pela situação. Do mesmo partido do mesmo prefeito, Voltolini viu adversários usarem a greve contra os pessedistas. Uma figura ainda sem muita força política, Voltolini não podia enfrentar tamanho ônus justamente naquele momento.[19][20] Já Durival colheu ganhos políticos com os servidores, por sempre se mostrar do lado da classe. Ganhos que ele não pretendia usar, já que decidiu se aposentar da política.




Pesquisador: Patrik Roger Pinheiro - Historiador | Registro Profissional 181/SC

Como Citar
Referência

PINHEIRO, Patrik Roger. Greve de 1992. Memória CVJ, 2025. Disponível em: <https://memoria.camara.joinville.br/index.php?title=Greve_de_1992>. Acesso em: 1 de abril de 2025.

Citação com autor incluído no texto

Pinheiro (2025)

Citação com autor não incluído no texto

(PINHEIRO, 2025)

Notas

  1. Artigos de jornal posteriores (A Notícia, 18/09/1992) evidenciam que os 12% (ou 12,8%) ainda não haviam sido pagos, e o site Leis Municipais não contém uma lei assinada pelo presidente da Câmara, decretando o aumento. Isso deixa dúvidas sobre o que ocorreu com o veto rejeitado.

Referências

  1. Servidores Tentam Ganhar Simpatia para Sua Causa. A Notícia, 26 de junho de 1992.
  2. Duas Versões para o Mesmo Incidente. A Notícia, 27 de junho de 1992.
  3. Antonio Neves. Coluna Alça de Mira. Na Retranca. A Notícia, 27 de junho de 1992.
  4. Servidores Recusam 30% e Param de Novo. A Notícia, 1 de julho de 1992.
  5. Antonio Neves. Coluna Alça de Mira. Na Retranca. A Notícia, 14 de julho de 1992.
  6. Sessão da Câmara Não Dura Nem Um minuto. A Notícia, 15 de julho de 1992.
  7. Pela Segunda Vez Vereadores Suspendem Uma Votação. A Notícia, 22 de julho de 1992.
  8. Câmara Decide Sobre Aumento para Servidor. A Notícia, 23 de julho de 1992.
  9. Câmara Aprova Projeto de Suplementação de Verbas. A Notícia, 29 de julho de 1992.
  10. Antonio Neves. Coluna Alça de Mira. Derrubaram. A Notícia, 04 de agosto de 1992.
  11. Prefeito Diz Porque Não pode dar Aumento. A Notícia, 18 de setembro de 1992.
  12. Antonio Neves. Coluna Alça de Mira. Na Retranca. A Notícia, 25 de setembro de 1992.
  13. Servidor Acampa na Câmara. A Notícia, 1 de outubro de 1992.
  14. Servidores Continuam Acampados na Câmara. A Notícia, 06 de outubro de 1992.
  15. Liberado Pagamento aos Servidores Municipais. A Notícia, 8 de outubro de 1992.
  16. Funcionários Públicos Vão Continuar Paralização. A Notícia, 14 de outubro de 1992.
  17. Manifesto do Poder Legislativo. A Notícia, 15 de outubro de 1992.
  18. Lula Diz que a Greve é Justa. A Notícia, 15 de outubro de 1992.
  19. Fim da Greve - Servidores Trabalham Amanhã. A Notícia, 20 de outubro de 1992.
  20. Antonio Neves. Coluna Alça de Mira. A Greve dos Servidores. A Notícia, 20 de outubro de 1992.