Commercio versus Gazeta ou Schwartz versus Abdon
Em 1907, durante a atuação 7ª Legislatura da Primeira República, uma batalha jornalística entre a Gazeta de Joinville e o Commercio de Joinville demonstrou a antogonismo que existia entre Eduardo Schwartz e Abdon Baptista. O caso não está diretamente relacionado a alguma ação da Câmara de Vereadores, mas dá um bom vislumbre de alguns enfrentamentos políticos da época.
Precedentes – um Schwartz Federalista Insatisfeito
Schwartz há muito tempo antes de 1907 já demonstrava sua inimizade ao novo sistema político local de partido único. Em 1906, ele chegou a caçoar do fato de que um grupo unido sob o nome de Clube Joinville ainda falava de nosso e vosso candidato. Apesar de, vez por outra, seu jornal polidamente elogiar Abdon Baptista, ficava claro o desencontro entre eles em alguns eventos. Schwartz e Abdon eram federalistas antes da união partidária, e Schwartz nunca aceitou tal fusão política, e mais tarde externou que achava que Abdon manipulou a situação para ganhar ainda mais força em Joinville, buscando condições de eleger-se deputado federal, nem que isso significasse vender o partido federalista.[1] Comedido no início e até bajulador de Abdon Baptista em algumas ocasiões, como na sugestão dada uma vez de que este deveria substituir Procópio na Superintendência, Schwartz começou em 1907 a mudar seu tom, o que levou seu jornal em rota de colisão com o jornal Commercio de Joinville, defensor de Abdon.
O Caso da Demissão de Salvador Corrêa
A Gazeta Denuncia Abdon
Em 1907, Orestes Guimarães viera de São Paulo para comandar o Collegio Joinville. Entre as ações tomadas por Orestes estava a dispensa de Salvador Corrêa, para poder contratar um auxiliar formado no novo método que seria aplicado. Salvador Correa era colaborador de Schwartz na Gazeta e escrevia na seção Miscelânea usando o pseudônimo de Theodoro. Mas, diante de uma ameaça de demissão da escola, feita por Abdon Baptista, Salvador recuou e decidiu não mais colaborar com Eduardo Schwartz, porém, mantendo amizade com este e frequentando inclusive a casa do proprietário da Gazeta. Segundo Schwartz, Abdon Baptista ainda estava insatisfeito com Salvador e decidiu dar um corretivo nele por manobrar enfim a sua demissão do novo colégio municipal.[2]
O Commercio vem em Defesa de Seu Chefe
Para replicar a denúncia de Schwartz feita no seu jornal, o Commercio de Joinville informou que Abdon tratara realmente com Salvador Corrêa sobre sua participação no jornal de Schwartz, mas o motivo da reprimenda não era que Salvador trabalhava para um jornal do adversário, mas sim, que um professor público não devia usar sua habilidade de escrita para achincalhar nomes de vulto da cidade em seções de humor. Por isso, o “Theodoro” acabou sumindo da Gazeta de Joinville em 1906. O Commercio de Joinville publicou ainda os ofícios em que Orestes Guimarães pedia à superintendência municipal a dispensa de alguns “adjunctos”, sendo três mulheres e Salvador, que tinha menos tempo de casa do que os demais. O critério para a dispensa era, segundo o Commercio, impessoal e originado nas necessidades de Orestes Guimarães e não nas vinganças de Abdon Baptista.[3]
Salvador Corrêa Confirma o Relato da Gazeta
No sábado seguinte à defesa de Abdon, Salvador Corrêa publicou na Gazeta uma declaração onde ratificava que Abdon Baptista realmente havia dito ele deveria optar, ou por continuar a escrever para a Gazeta, ou pelo cargo de professor.[4]
Cala-te ou Morres
Em Abril os jornais Gazeta de Joinville e Commercio de Joinville voltaram a efetuar, respectivamente, ataque e defesa de Abdon Baptista e associados. Os funcionários da Gazeta informaram que uma autoridade pública viera alertá-los que corriam risco de vida por estarem incomodando os elementos políticos locais. Porém, aquele jornal declarou que “o tempo do ‘calla-te ou morres’ já havia passado”.[5]
Quem supostamente teria feito a ameaça era o capitão de polícia João Lobo. Ao Commercio de Joinville, ele posteriormente alegou que foi apenas avisar a Gazeta que a atitude agressiva e provocadora desse jornal poderia causar justa indignação, e lhe pediu para ser mais comedido para evitar consequências que poderiam ser ruins. Lobo afirmou que nada disse sobre autoridades políticas locais ou sobre risco de morte.[6]
O Cocheiro de Guilherme Walther
A Gazeta Denuncia Abdon de Novo
Outro evento que rendeu acusações foi quando o cocheiro de Guilherme Walther foi acusado de ter atropelado uma pessoa na esquina do Clube Joinville e recebeu voz de prisão. A Gazeta então publicou que, não sendo seus editores testemunhas oculares do atropelamento, indagaram como foi o corrido. Testemunhas disseram a eles que o carro vinha “no trotar natural do animaes”, ou seja, em velocidade normal, e com farol aceso. Ao dobrar a esquina, o cocheiro recebeu voz de prisão de diversas pessoas lideradas por Abdon Baptista. Depois, o cocheiro pôde observar que caída estava uma pessoa bêbada, que só não podia permanecer de pé devido à embriaguez, mas não tinha ferimentos. A intenção do jornal era implicar Abdon Baptista numa cena de prisão injusta. Se a acusação era merecida ou não, hoje fica difícil apurar.[7] Mas a guerra não parou aí.
O Commercio vem em Defesa de Seu Chefe, de Novo
Alexandre Ernesto de Oliveira tratou de replicar o caso do atropelamento, dizendo que era verdade que aquele carro esbarrara num homem na já referida esquina, e que os ali presentes mandaram o cocheiro parar. Como o homem não parou, Oliveira deu-lhe voz de prisão. O carro andou mais 100 metros, sempre sob protestos de que parasse, quando Abdon também repetiu a voz de prisão e a ordem de que parasse, o que só então o cocheiro o fez.[6]
O Baile
A Gazeta Denuncia Abdon Outra Vez
Ainda na mesma edição, a Gazeta disse que tendo sido agendado um baile para o dia 30 por alguns rapazes da cidade, Abdon Baptista mandou chamar um dos responsáveis para proibir a realização do mesmo. O motivo era que o Clube Joinville queria promover seu baile na mesma data e local, o Salão Walther. O rapaz aquiesceu, mas os demais não cederam e realizaram o baile a despeito do pedido (ou ordem) de Abdon, fato que a Gazeta celebrou.[7]
“Era só o que faltava que até para divertimento se lhe houvesse de pedir licença” disse o jornal. “Que coisa Ridícula! Só mesmo dando uma gargalhada.” completou.
O Commercio vem em Defesa de Seu Chefe, Outra Vez
Por esse texto, a Gazeta foi processada por Abdon Batista.[8] A resposta veio no jornal Commercio de Joinville, trazendo declarações dos envolvidos. O moço mencionado pela Gazeta, que promoveria o baile, era Eugenio Machado da Luz, funcionário público. Eugenio negou que Abdon tenha tentado proibir o baile, mas afirmou que o Abdon comunicou a ele o estranhamento que lhe causara que Eugenio, mesmo sendo membro da diretoria do Clube Joinville, tentasse concorrer com outro baile no mesmo local e data que o ele sabia que o Clube Joinville daria o seu baile.[6]
A Gazeta Contra-Ataca
No mesmo sábado que o Commercio publicava as declarações acima, a Gazeta imprimia outras declarações, de pessoas que diziam que Eugenio Machado da Luz realmente tinha lhes falado da proibição de Abdon Baptista quanto ao baile. Entre os declarantes estava Pompilio Guerreiro, que disse que Eugenio lhe passara o dinheiro e o encargo da realização do baile porque, segundo o próprio Eugenio, Abdon o proibira de prosseguir com o intento.[9]
Schwartz, o Comissário de Polícia e o filho de Abdon
Na sua edição de 20 de abril de 1907, a Gazeta narrou um encontro do seu proprietário, Schwartz, com o comissário de polícia, capitão Lobo, ocorrido no dia 14 de Abril, um domingo. Segundo o jornalista, Lobo mostrou-lhe o número anterior da Gazeta e perguntou-lhe se ele se responsabilizaria pelo seu conteúdo. Schwartz respondeu que o lugar para dar satisfações não era aquele e se disse surpreso pela atitude do comissário. Depois disso, um filho de Lobo o desafiou para uma luta corporal e ocorreram bate-bocas. Dando um passo atrás, desintencionalmente, Schwartz pisa o pé de Eudoro, filho de Abdon Baptista, que o empurra, até que veio a turma do “deixa disso”.[10]
O fato motivou telegramas enviados ao governador por Schwartz e seu redator, Crispim Mira. Importante lembrar que Abdon era, nesse momento, ninguém menos que o vice-governador de Santa Catarina. A resposta do governo veio mediante Henrique Lessa, o prefeito de polícia, orientando moderação para o subdelegado.
E Depois?
As provocações da Gazeta para com Abdon não pararam aí. Enquanto o Commercio buscava ignorar o jornal adversário algumas vezes, a Gazeta continuou espezinhando Abdon e seus correligionários.
Pesquisador: Patrik Roger Pinheiro - Historiador | Registro Profissional 181/SC
Como Citar |
Referência
PINHEIRO, Patrik Roger. Commercio versus Gazeta ou Schwartz versus Abdon. Memória CVJ, 2024. Disponível em: <https://memoria.camara.joinville.br/index.php?title=Commercio_versus_Gazeta_ou_Schwartz_versus_Abdon>. Acesso em: 6 de dezembro de 2024. |
Citação com autor incluído no texto
Pinheiro (2024) |
Citação com autor não incluído no texto
(PINHEIRO, 2024) |
Referências
- ↑ Gazeta de Joinville, edição de 13 de fevereiro de 1907
- ↑ Gazeta de Joinville, edição de 23 de fevereiro de 1907.
- ↑ Comercio de Joinville, edição de 2 de março de 1907
- ↑ Gazeta de Joinville, edição de 9 de Março de 1907.
- ↑ Calla-te ou Morres. Gazeta de Joinville. 6 de abril de 1907.
- ↑ 6,0 6,1 6,2 Commercio de Joinville, edição de 13 de Abril de 1907.
- ↑ 7,0 7,1 Noticias Locaes. Gazeta de Joinville. 6 de abril de 1907.
- ↑ Estamos Processados. Gazeta de Joinville. 13 de abril de 1907.
- ↑ A Verdade. Gazeta de Joinville. 13 de abril de 1907.
- ↑ Agressão Miserável Gazeta de Joinville. 20 de abril de 1907.