Prefeito versus Câmara em 1959

De Memória CVJ
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Em 1959, durante a 4ª Legislatura, o prefeito e a CVJ se antagonizaram por causa do aumento dado a um funcionário de legislativo e pela demora na aprovação das contas do município, o que poderia dificultar o repasse de verbas por parte do estado.

A UDN de Henrique Meyer cantou vitória, mas não levou: Jornal de Joinville, 26-04-1958.

Vale a pena recordar que nessa época ainda haviam rusgas do combate eleitoral de 1958, para prefeito. Henrique Meyer Junior, da UDN, membro do partido do popular e recém-falecido Dr. João Colin, previa que as chances de vitória nas eleições eram grandes. Fortalecia essa perspectiva o fato de que o prefeito interino era Dario Salles, também udenista. Porém, as urnas surpreenderam com a vitória do candidato da União Joinvillense, Baltazar Buschle. Para a infelicidade de Buschle, em 1959 a UDN formou a maioria na Câmara. O governo municipal e a maioria no legislativo eram, então, de partidos antagonistas.

Baltazar Buschle também lutava contras as dificuldades financeiras da prefeitura. No entendimento dele, haviam verbas estaduais que estavam sendo represadas pelo governo de Santa Catarina, do udenista Heriberto Hülse. Importante observar que o legislativo estadual, segundo os pedessistas, também parecia disposto a dificultar a vida do prefeito do PDS em Joinville, como mostra a dificuldade em obter aprovação parlamentar a empréstimos estaduais.[1]

Nesse contexto de inimizade da UDN e contas no vermelho, o prefeito recebeu da Câmara uma resolução que pretendia dar aumento ao um diretor daquela instituição. Buschle também enfrentou dificuldades para ver suas contas aprovadas, o que traria ainda mais problemas financeiros por barrar repasses de verbas.

Aumento para o Diretor de Expediente

Em 31 de dezembro de 1958, uma resolução assinada por Dario Salles passava o Diretor de Expediente, Alpheu Carneiro Lins, para o nível salarial CM-9. Isso o faria passar de 15 mil para 18 mil cruzeiros mensais.[2] Nessa ocasião, a prefeitura estava encontrando as já comentadas dificuldades financeiras, e Baltasar Buschle entendeu ser inoportuno o aumento salarial do funcionário da Câmara, especialmente porque, segundo Buschle, o diretor de expediente trabalhava em média somente uma hora diária.[3]

Politicagem da UDN?

Na edição de 14 de agosto de 1959, o jornal A Notícia denunciou que tal aumento ao diretor de Expediente da Câmara tinha motivos politiqueiros. Membro ativo e proeminante do diretório regional da UDN, Alpheu Lins desejava se candidatar a deputado estadual. Para desistir e não concorrer com outros próceres udenistas, a ele foi prometido que receberia um cartório. Parece que Lins desejava receber um aumento para em seguida se aposentar com esse salário mais recheado. Então ele sairia para dirigir seu cartório.[nota 1]

A Câmara Responde

Em nota publicada nos jornais, o presidente Pedro Colin afirmou que o aumento do diretor de expediente da Câmara era o mesmo que receberiam os diretores do executivo, nada mais que isso. Colin também asseverou que essa decisão era de competência do poder legislativo e não cabia aí a intromissão do poder executivo. O presidente então assegurou que não havia nenhuma intenção da Câmara em onerar os cofres públicos, sendo prova disso que o legislativo tinha somente um servidor para atender toda a demanda daquela instituição.

Sobre trabalhar o diretor de expediente somente uma hora por dia, Colin esclareceu que ele ficava à disposição dos vereadores uma hora por dia. Porém, Alpheu Lins efetuava outros serviços pertinentes à secretaria da Câmara. Colin disse que a afirmação do prefeito era malévola, torcia a verdade e era de má-fé.[4] Dias depois, um colunista do jornal A Notícia pôs em dúvida essa afirmação, dizendo que Alpheu Lins era reconhecidamente muito ativo e habilidoso na arte da política, mas que se trabalhava mais de uma hora por dia, era em benefício de política partidária.[5]

O Veto do Prefeito

Buschle vetou o aumento. Na sessão de 11 de agosto de 1959, os vereadores votaram se aceitariam ou rejeitariam tal veto. Os seis udenistas votaram por rejeitar, enquanto os seis membros da União Joinvilense[nota 2] quiseram mantê-lo. O voto de qualidade recaiu sobre o presidente Pedro Colin, da UDN, que votou pela rejeição, declarando que buscaria um mandado de segurança para fazer valer a decisão do legislativo.[6]

O Mandado de Segurança

Colin havia ameaçado, mas quem impetrou o mandado de segurança foi o próprio Alpheu Lins. Porém, o promotor público, Adhemar Gonzaga, deu parecer favorável à prefeitura. A decisão, claro, pertencia ao juiz. O Dr. Francisco Joé Rodrigues acolheu as razões do prefeito e o parecer do promotor, e julgou improcedente a medida pleiteada pelo diretor de expediente da Câmara.[7]

Aprovação das Contas do Executivo

Houve também confronto entre os dois poderes municipais devido à aprovação das contas do executivo. Através do jornal A Notícia, o prefeito alegou que entregara as contas do exercício de 1958 em fevereiro, porém o relatório não estava sendo apreciado. A falta de aprovação das contas levaria a suspenção de repasses de verbas estaduais para o município. Curiosamente, na mesma matéria constava o texto do ofício 21/59, de 5 de agosto de 1959, no qual o presidente Pedro Colin alertava o prefeito de que peças importantes das contas estavam ausentes, e que a comissão de Finanças ainda estava no aguardo delas. Entre os documentos faltantes estava o balancete de dezembro de 1958.

Prefeito rebate a Câmara

Para Baltazaer Buschle, a CVJ tentava esconder sua displicência culpando a prefeitura. (Foto: Acervo do Arquivo histórico de Joinville)

Através do ofício 394/59, Buschle respondeu que causou surpresa a alegação da Comissão de Finanças da Câmara de Vereadores, e que a prefeitura tinha apresentado o balanço de 1958 já na primeira sessão ordinária daquela casa. No caso de ter havido extravio, Buschle afirmou que encaminhara nova cópia do referido balanço. Ele disse também que enviara mais outros documentos, que a Comissão de Finanças exigiu, e avisou que os relatórios do caixa na prefeitura também ficaram à disposição dos vereadores.

Querendo demonstrar a falta de vontade por parte da Comissão de Finanças, Baltazer Buschle afirmou que, como o tempo passava e as contas não eram aprovadas, o executivo enviou um ofício a 8 de junho; e como houve novo silêncio por parte dos vereadores, outros dois ofícios a 17 de junho e 1º de julho. Os ofícios pediam a discussão das contas. Segundo a prefeitura, foi em 4 de julho que a Câmara enviou resposta, dizendo que ia tomar providências. Foi por isso que o prefeito se disse surpreso pelo ofício 21/59, enviado pela Câmara somente em agosto, alegando só então que não recebera o balanço de 1958. Para finalizar, a prefeitura afirmou que o artigo 150 da lei orgânica que então vigorava não exigia balancetes mensais, somente o balanço anual. Para o executivo, o legislativo estava somente tentando esconder sua displicência ao não apreciar as contas no momento devido.[8]

Bate-boca na Câmara

Na sessão de 11 de agosto de 1959, a mesma que analisou o veto do prefeito ao aumento do servidor da Câmara, Ademar Garcia Filho solicitou à mesa que fizesse os demais vereadores conhecer o teor do ofício da prefeitura acima comentado e nisso Santa Rita e ele protagonizaram um bate-boca.[6]

A Câmara Responde

Pedro Colin afirmou que não cabe aos vereadores irem à prefeitura obter documentos das contas. (Foto: Arquivo CVJ)

Em nota datada de 14 de agosto de 1959, publicada nos jornais, o presidente Pedro Colin decidiu rebater as alegações de Buschle. Sobre a declaração do executivo de que deixara documentos contábeis à disposição do legislativo, Colin afirmou que não cabe aos vereadores irem à prefeitura receber tais documentos, mas que é a prefeitura que tem obrigação de remetê-los à Câmara. Sobre balancetes mensais remetidos, disse Colin que, conforme preconizava o artigo 152 da Lei Orgânica da época, essa uma obrigação da prefeitura, nada mais que isso.[4]

Na coluna "Comentários do Dia", o jornal A Notícia mencionou que a sala do legislativo e a sala onde o prefeito deixou os documentos contábeis faltantes ficavam 21 metros uma da outra. O colunista então disse que era falta de vontade dos vereadores não terem feito o "sacrifício" de se deslocar cerca de 20 metros para apanhar que faltava.[5]

Contas Aprovadas, Enfim!

O Parecer da Comissão de Finanças. (Jornal de Joinville, 21/08/1959)

Na sessão de 18 de agosto de 1959, foi ao plenário, enfim, a aprovação das Contas do município. Antes da apreciação do assunto das contas, porém, a sessão teve episódios de antagonismos, com os vereadores Vilmar Córdova e Mathilde Amin Ghanen perguntando sobre o horário de expediente de Alpheu Lins, pretendendo voltar ao tema já comentado mais acima nesse artigo. Colin também decidiu contra-atacar a declaração da prefeitura de que esta teve que enviar duas vezes o balanço para a CVJ. Ele afirmou que em fevereiro chegou à casa somente relatórios, não o balanço em si, que deu entrada somente em 11 de agosto.

Quando então iniciou a apreciação a aprovação das contas, Santa Rita questionou o contrato de compra de tubos para a rede de água, dizendo que tal contrato deveria ter passado por concorrência pública. Os udenistas afirmaram também que em vez de tubos de amianto, os galvanizados eram mais adequados, já que os primeiros apresentavam deficiências técnicas por causa do índice de PH do solo local. A bancada da UDN continuou seus ataques, comentando os gastos com publicidade. Buscando estabelecer que eram gastos lícitos e de interesse do coletivo, Mathilde afirmou que tais pagamentos estavam bem documentados, e que ela os apresentaria na próxima reunião da Câmara. Nisso, Mathilde foi interpelada por Pedro Colin, que apresentou uma foto de Baltazar Buschle ao lado de Juscelino Kubitschek, e que custara cinco mil cruzeiros aos cofre públicos. A foto saiu na "Revista do Sul".

A Comissão de Finanças relatou ter encontrado diversas irregularidades, como o pagamento de indenização de 25 mil cruzeiros ao ex-administrador do Matadouro Municipal, sem amparo legal para isso. Porém, como sabia que a falta de aprovação das contas resultaria em prejuízos para a cidade, a comissão recomendou ao plenário que as aprovasse. O plenário acatou, aprovando, enfim, as contas.[9][10]

Contas Aprovadas, mas o Barulho Continuou

Defesa do Executivo

A placa de Dario Salles no Mercado Público, com um protesto logo acima. (A Notícia, 21/08/1959)

O Jornal A Notícia, como costumeira fazia, saiu em defesa dos adversários da UDN. Sob a publicacação de um anônimo escondido sob o pseudônimo de "Observador", o jornal primeiro rebateu a denúncia do gasto do prefeito Baltazar Buschle com uma fotografia. Lembrou o "Observador" que pior mesmo fez o udenista Dario Salles, ao gastar 10 mil cruzeiros com uma placa que mandou colocar no mercado público, dizendo que ele inaugurara o que já existia há décadas.

Depois o "Observador" zombou da declaração do vereador Santa Rita ao falar que os tubos comprados pela prefeitura não eram adequados. Santa Rita afirmou que o PH do solo de Joinville poderia corroer os tubos de amianto. O "Observador" disse que quando isso acontecesse, as fundações dos edifícios da cidade também terão sido afetadas, tornando Joinville uma cidade decrépita que também já não precisaria mais de água.[11]

Através do Ofício 426/59, Baltazer Buschle decidiu responder o parecer da comissão de finanças, composta pelos vereadores Hermes Kaesemodel, Santa Rita e Dr. Aluísio Condeixa. Disse o prefeito que:

  • Culpar o executivo pelo retardamento da aprovação das contas é inconsistente, porque o balanço e o relatório foram enviados à CVJ em 3 de abril daquele ano, com o ofício 14/59.
  • Afirmar que o contrato dos tubos para água não obedeceu prescrições legais mostra o quanto tal comissão desconhece tais prescrições.
  • Se a indenização paga ao ex-administrador do matadouro municipal era ilegal, não deveria ter sido aprovado pela comissão. Da mesma forma, no ano anterior a comissão de finanças não deveria ter aprovado dois pagamentos de 12 mil cruzeiros para dois diretores da Câmara, pela colação de grau de seus filhos.

No fim do ofício, o prefeito chamou tais irregularidades de "imaginadas".[12]

Resposta do Legislativo

Pelo ofício 29/59, Pedro Colin decidiu responder o prefeito, dizendo que Buschle ou estava confuso, ou tentava confundir a opinião pública. Depois, Colin pontuou que:

  • Era estranha a afirmação de que o balanço foi encaminhado com o ofício 14/59 em abril, se em janeiro as numerações dos ofícios da prefeitura já estavam em 15. Curiosamente, foi a Câmara que enviou um ofício com numeração 14/59, em 3 de abril, e era para encaminhar os pedidos da comissão de finanças.
  • Com o ofício 197/59, a prefeitura informou que deixara à disposição da Câmara os documentos de Caixa. Não é isso que prescreve a Lei Orgânica dos Municípios, que diz que tais documentos devem ser remetidos à Câmara.
  • Sobre a compra dos tubos de amianto, alegou Colin que esta deveria ter sido feita por concorrência pública, e não por simples tomada de preços, como foi o caso.

Colin encerrou o ofício reafirmando que as contas foram aprovadas, apesar das irregularidades. Com isso quis reafirmar que não eram imaginárias, como dissera o prefeito.[13]




Pesquisador: Patrik Roger Pinheiro - Historiador | Registro Profissional 181/SC

Como Citar
Referência

PINHEIRO, Patrik Roger. Prefeito versus Câmara em 1959. Memória CVJ, 2024. Disponível em: <https://memoria.camara.joinville.br/index.php?title=Prefeito_versus_C%C3%A2mara_em_1959>. Acesso em: 6 de dezembro de 2024.

Citação com autor incluído no texto

Pinheiro (2024)

Citação com autor não incluído no texto

(PINHEIRO, 2024)


Notas

  1. Curiosamente, em 1959 o Boa Vista foi convertido em distrito, e, por isso, precisaria agora de um cartório. Se isso tem algo que ver com Alpheu Lins, esse historiador não sabe, nem tem fontes comprovando, é só uma hipótese. Mas se fosse o caso, seria curioso que Joinville tivesse a criação de um distrito somente devido à politicagem. Seja como for, o jornal A Notícia de 20 de junho de 1959 afirma que a prefeitura de Joinville, cujo prefeito era de partido adversário da UDN, não queria a instalação de tal distrito. O bairro Boa Vista, integrante da zona urbana de Joinville, não era como Pirabeiraba, por exemplo, que não tinha conurbação com a sede. Pareceu mesmo o caso de ser uma desanexação do distrito sede por motivações politiqueiras, e não para beneficiar os moradores do Boa Vista.
  2. União Joinvilense reuniu o PSD, PTB e PRP para fazer frente a maioria udenista.

Referências

  1. caracterizada a Obstrução Governista ao Empréstimo a Joinville. A Notícia, 3 de julho de 1960. Visitado em 02/12/2024
  2. Câmara Municipal de Joinville - Resoluções. Jornal de Joinville, 12 de fevereiro de 1959.
  3. Causa Reais da Situação Financeira da Prefeitura. A Notícia, 15 de fevereiro de 1959.
  4. 4,0 4,1 Câmara Municipal de Joinville. A Notícia, 15 de agosto de 1959.
  5. 5,0 5,1 Coluna "Comentário do Dia". A Notícia, 18 de agosto de 1959.
  6. 6,0 6,1 Presidente da Câmara Vai Requerer Mandado de Segurança Contra Véto do Prefeito. A Notícia, 13 de agosto de 1959.
  7. Câmara x Prefeitura. A Notícia, 23 de dezembro de 1959.
  8. A Câmara Municipal Está Obstruindo a Administração de Joinville. A Notícia, 12 de agosto de 1959.
  9. Aprovada as Contas do Prefeito. A Notícia, 19 de agosto de 1959.
  10. Aprovadas com Reservas as Contas do Prefeito. Jornal de Joinville, 21 de agosto de 1959.
  11. Aconteceu na Câmara de Vereadores. A Notícia, 21 de agosto de 1959.
  12. Responde o Prefeito ao Parecer da Comissão de Finanças da Câmara Municipal. Jornal de Joinville, 25 de agosto de 1959.
  13. Câmara Municipal de Joinville. Jornal de Joinville, 27 de agosto de 1959.