Enchente de 1906

De Memória CVJ
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Num ano rodeado de consecuções, Joinville viveu em 1906, durante a 6ª Legislatura da Primeira República, uma enchente de proporções desastrosas. Em 24 de março, um sábado, caiu uma intensa chuva sobre Joinville. Para verificar os estragos causados pela inundação, uma comissão municipal composta pelos conselheiros João Colin e Grossenbacher, além do superintendente Procópio Gomes, Eduardo Schwartz e João Gomes. Tal comissão visitaria, além da sede (Joinville), os distritos de Jaraguá, Hansa (Corupá) e Bananal (Araquari).

Schwartz, que seria mais tarde vereador, era proprietário do jornal Gazeta de Joinville. Das anotações dele Schwartz, publicadas em seu jornal, recebemos a maioria das informações que constam nesse artigo.

O Que Relatou a Comissão

Em Joinville

No centro da cidade, o rio Mathias transbordou, principalmente na esquina das atuais ruas 9 de março, Visconde de Taunay e Dr. João Colin. Vários quintais foram danificados e muitas pontes particulares que davam entrada para o terreno haviam sido destruídas. Na inundação, veio boiando numa madeira um gato, decidido a não largar sua embarcação, a despeito das tentativas de salvamento. O jeito foi trazer para uma canoa o gato com madeira e tudo.

A zona rural sofrera muito com a devastação das chuvas e cheias, havendo relatos de morte de animais (vacum, porcos, cavalos e animais menores) e perda de plantação. Da Estrada do Sul até o rio Piraí, os estragos foram muitos, tendo a água subido um metro e meio.[1]

Bananal

Chegando no rio Itapocuzinho, a comissão designou uma subcomissão com moradores locais para verificar a situação no distrito do Bananal (Araquari). Athanasio Leal e Victor Rosenberg, os membros da subcomissão, investigaram e relataram que as águas subiram assustadores 7 metros no encontro dos rios Itapocu e Itapocuzinho. Bento Ricardo de Souza, morador do local, proprietário de engenhos e homem bem estabelecido financeiramente, perdeu tudo, inclusive a casa. Era Bento um senhor de 70 anos na ocasião, e com sua doente esposa foi resgatado em canoas pelos filhos. Seu vizinho Jacintho Borba teve a mesma sorte, sentindo-se feliz de ter conseguido pôr a salvo sua família. Os prejuízos foram calculados em 12 contos de réis.[1]

Hansa

Desse ponto em diante a comissão municipal se dividiu, indo para Jaraguá o superintendente Procópio Gomes e João Colin, enquanto João Gomes, Grossenbacher e Schwartz subiram pelo rio Itapocu de canoa, indo parar nas terras de José Fernandes, desventurada vítima da enchente. Com a subida das águas, José Fernandes, sua família bem como seu empregado Chrispim Francisco e sua família decidiram se proteger no sótão da casa de José. Horas depois, sentiam que a casa tremia com as pancadas que recebia das madeiras que as águas jogavam contra ela, até que a casa foi arrastada, indo parar no meio do rio.

Virgilio, de 22 anos, filho de José Fernandes, pulou na água e conseguiu subir num pequeno morro, salvando-se, mas a casa seguiu rio abaixo até bater forte contra algo e se partir. Depois disso não se teve mais notícia de Chrispim e sua família.

Bioca, de 11 anos, outro filho de José Fernandes também pulou na água e conseguiu subir numa árvore, onde esperou a noite toda, mas não esperou só, porque seu leal companheiro, seu cachorrinho, pulou na água também, fazendo companhia a Bioca na árvore. Bioca começou a clamar por ajuda, e seus gritos foram ouvidos por Zimmermann, que estava numa casa nas proximidades. Zimmermann tentou chegar até a criança, mas não sendo possível, ele e os demais da casa disseram a Bioca que parasse de gritar e esperasse as águas baixarem. As 5 da manhã foi possível para Zimmermann realizar o salvamento.

Um terceiro filho de José Fernandes, Honorato, de 28 anos, encontrou sua salvação quando passou perto dele um cocho, que ele usou como embarcação até que em meio a muitas orações implorando a Deus por livramento, encontrou uma árvore. Agarrando-se aos galhos dela, Honorato conseguiu salvar-se por subir nela e esperar as águas baixarem.

O desespero, choro, gritos e orações continuaram entre José Fernandes, a esposa e os filhos que permaneceram com eles. Mas José Fernandes também se salvou, quando passou pelas terras de Bertholi, que ouvindo a gritaria, estendeu um pedaço de pau a José Fernandes, que o segurou e pôde ser resgatado. Infelizmente nesse ponto o relato fica profundamente triste, pois a esposa e os dois filhos com ela não conseguiram salvamento junto com o marido, e não mais foram encontrados.

Da família de Chrispim somente Maria se salvou, porque não estava com eles na hora desventurosa. Estando Maria noutra casa onde trabalhava costurando, ela e os da casa ouviram gritos e Maria distinguiu a voz de sua mãe que implorava para que a filha os salvasse. Querendo a moça atirar-se na água para tentar um socorro impossível, foi impedida pelos demais. Maria então entrou em psicose, chorando e fazendo gestos sem sentido até cair no sono e acordar somente no dia seguinte, ainda desnorteada. Quando entrevistada pelos membros da comissão municipal, nada acrescentou, mas apenas ria quando lhe dirigiam a palavra. Que trauma teve que passar a Maria, ouvir a própria mãe clamar por socorro e estar impossibilitada de ajudar![1]

Quase todas as pontes da localidade foram destruídas, incluindo a ponte sobre o rio Humboldt. A colheita do milho e de fumo foram perdidas, bem como outras lavouras.[2]

Conclusão da Comissão

Relatou a comissão que analisou os danos que as pontes desapareceram, as terras ficaram com uma camada de pedra e areia que as desvalorizaram, e os danos somados públicos somados aos particulares chegaram à casa dos 29 contos de réis (29 milhões).[1]

Na Câmara

No dia 27 de março de 1906, a Câmara fez uma reunião extraordinária para analisar a situação. Na ata da reunião, se lê que os danos na estrada Dona Francisca foram intensos, e o valor calculado para consertá-la foi estimado em 50 contos de réis. A estrada ficaria intransitável por no mínimo vinte dias. Mencionando que os dados ainda eram incompletos, os vereadores calcularam os danos em trezentos contos (trezentos milhões de réis).

Oscar Schneider, que presidiu a sessão, lembrou que a municipalidade não podia arcar com despesas criadas pelo desastre. Por isso, ele propôs solicitar auxílio pecuniário ao governo do estado e ao ministério da Indústria e Viação, o que foi unanimemente aprovado. Nisso, Procópio Gomes tomou a palavra e avisou que já tinha alertado o governo do estado sobre as necessidade de Joinville.[2]

Auxílios

No dia 28 vieram telegramas de Florianópolis, oferecendo auxílio e, ao mesmo tempo, lembrando que os cofres estaduais não teriam condições de arcar com as despesas na medida que a necessidade demandava. O governo também nomeava Procópio Gomes, Gustavo Richlin e Francisco Gomes de Oliveira como membros da comissão quem em nome do estado apuraria quais providências deveriam ser tomadas.

Lauro Müller, na ocasião Ministro dos Transportes, enviou telegrama da Capital Federal informando que o presidente da república colocou à disposição de Joinville, através do governo do estado, 50 contos de réis. Além dessa valiosa ajuda por parte do governo federal, o Cônsul alemão em Florianópolis fez uma vaquinha no Clube Germania e angariou 1 conto e 250 mil para as vítimas da inundação. O governo do estado também fez sua parte, enviando 6 contos. Melhor que nada, mas muito longe dos 300 contos calculados pela Câmara.[1]




Pesquisador: Patrik Roger Pinheiro - Historiador | Registro Profissional 181/SC

Como Citar
Referência

PINHEIRO, Patrik Roger. Enchente de 1906. Memória CVJ, 2024. Disponível em: <https://memoria.camara.joinville.br/index.php?title=Enchente_de_1906>. Acesso em: 1 de abril de 2025.

Citação com autor incluído no texto

Pinheiro (2024)

Citação com autor não incluído no texto

(PINHEIRO, 2024)


Referências

  1. Ir para: 1,0 1,1 1,2 1,3 1,4 Enchente. Gazeta de Joinville, 7 de abril de 1906. Visitado em 07/08/2024
  2. Ir para: 2,0 2,1 Ata da Sessão de 27 de março de 1906, em guarda do Arquivo Histórico de Joinville.